segunda-feira, 12 de novembro de 2012

futebol brasilerio: nosso patrimônio cultural

Futebol brasileiro: nosso patrimônio cultural merece ser cuidado

Doutor em Turismo e pesquisador do futebol, Sérgio Miranda Paz comprova a importância deste esporte na cultura brasileira e o respeito que desperta em torcedores de outras nacionalidades.
Arquivo Pessoal
Sérgio pretende levar à África do Sul a mesma bicicleta verde‑amarela com que passeou pela Alemanha.










A partir de 1863, quando suas primeiras regras foram definidas num “pub” londrino, o futebol se espalhou pelo mundo, conquistou corações e se tornou o esporte mais popular do planeta. Porém, como em nenhum outro país, foi aqui no Brasil que o futebol mais se identificou com seu povo. Como bem mostrou o jornalista inglês Alex Bellos em seu livro “Futebol – the Brazilian way of life”, originalmente escrito para leitores britânicos (e mais tarde traduzido para o português), “nenhum outro país é marcado por um único esporte, na mesma medida em que o Brasil pelo futebol”.
Em estudo recente [o autor refere-se à sua tese de Doutorado em Turismo, defendida em 2006 na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, sob orientação do Prof. Dr. Américo Pellegrini Filho], investiguei a presença do futebol nas mais diversas manifestações culturais e foi possível demonstrar sua enorme importância na cultura brasileira. O futebol é constantemente retratado na música, na literatura, nas artes cênicas, no humor, nos meios de comunicação de massa, no idioma, na política, nas artes plásticas e em tantas outras formas de expressão cultural.
Como pesquisador e amante do futebol, desde 1994 tenho ido acompanhar “in loco” as disputas das Copas do Mundo. Nessas viagens, tive a oportunidade de conhecer países fantásticos, como os Estados Unidos, a França, a Coreia do Sul, o Japão e a Alemanha. Tive a felicidade de estar presente em duas finais: a do estádio Rose Bowl, em Pasadena, Califórnia; e a de Yokohama, no Japão – justamente as que marcaram as conquistas do tetra e do penta. Mas posso garantir que, tanto quanto por essas vitórias da Seleção Brasileira, orgulho-me pela forma como o futebol do Brasil desperta a simpatia, a admiração e o respeito de torcedores de outras nacionalidades. Não tenho dúvida de que, se o nosso país goza de uma boa imagem no exterior, isso se deve principalmente ao nosso futebol e à nossa música popular.
É claro que nem tudo no nosso futebol é motivo de satisfação. Revolto‑me contra o excesso de fanatismo e de violência, que tem causado conflitos, tirado a vida de jovens e afastado as famílias dos estádios – sonho utopicamente que um dia as torcidas voltem a se misturar nas arquibancadas, como nos tempos em que comecei a frequentá‑las.
Preocupo-me com a decadência de clubes tradicionais, alguns sob a ameaça de desaparecer – gostaria que times como a Ferroviária de Araraquara, o XV de Piracicaba, o América e o Bangu do Rio de Janeiro voltassem a viver as glórias que um dia já tiveram.
Fico triste com a situação de penúria e esquecimento por que passam antigos ídolos dos gramados – gostaria que o jogador de futebol se preparasse melhor para sua vida depois de encerrar sua carreira, e sugiro que seja criado um “Salão da Fama”, do qual fariam parte os maiores craques da história, escolhidos por votação popular. Ao mesmo tempo, lamento o êxodo de jovens talentos indo buscar no exterior os salários e as condições de vida que não conseguem por aqui – defendo a existência de restrições legais à transferência de atletas brasileiros a times estrangeiros.
Incomoda-me a especulação imobiliária das grandes cidades, que tem provocado o desaparecimento de espaços para a prática informal do futebol – sou favorável à preservação dos campos de várzea e à criação de centros esportivos e de lazer para as populações residentes nas periferias das metrópoles.
Aborreço-me quando algumas pessoas demonstram desconhecimento ou até menosprezo pela história do futebol brasileiro, por suas conquistas e por sua importância para a nossa cultura – proponho que ele seja incluído nos currículos escolares como objeto de estudo e de pesquisa, desde a pré-escola até os cursos de pós‑graduação.
Lamento a irreversível elitização dos estádios, causada pelo contínuo aumento dos preços dos ingressos, excluindo torcedores mais humildes – jamais esquecerei as emoções do dia em que, no início dos anos 80, assisti a um Brasil x Alemanha, na pitoresca geral do Maracanã (que já não existe mais), ao lado de quase 200 mil torcedores.
Fico indignado que haja tantos dirigentes esportivos mal-intencionados, que se perpetuam em seus cargos para obter dinheiro ou poder, ou até mesmo por simples vaidade – desejo que essas figuras nefastas deem espaço para gente séria e honesta, que trabalhe pelo bem do esporte.
Discordo da apropriação do futebol por grupos privados – defendo a proibição da concessão de direitos de exclusividade de transmissão de jogos a grandes redes de TV, e a fiscalização dos contratos de publicidade obtidos em nome da Seleção Brasileira.
Felizmente, importantes ações já vêm sendo tomadas. É o caso, por exemplo, do Estatuto do Torcedor, que, embora ainda esteja longe de alcançar todos os seus objetivos, já conseguiu alguns resultados expressivos, como o respeito ao regulamento dos campeonatos, a divulgação prévia do local e do horário das partidas e uma maior segurança no interior dos estádios. É preciso, porém, reforçar e ampliar as pequenas conquistas alcançadas, pois aspectos como conforto e segurança ainda estão muito longe do ideal.
Outro motivo de minha alegria é a materialização de um antigo sonho, expresso em minha tese: a implantação do Museu do Futebol, no Estádio do Pacaembu, em setembro de 2008. Bem planejado, moderno, arejado, interativo... Enfim, muito atraente, ele tem recebido numerosos visitantes, das mais diversas idades e origens sociais. Em sua curta existência, aos poucos ele vai se transformando num verdadeiro centro cultural do futebol, ao realizar exposições temporárias e ao promover, em seu auditório, diversos eventos, como palestras, lançamentos de livros, exibições de filmes, encontros com ex-jogadores, etc. Em 2010, ele deverá sediar um simpósio sobre futebol, juntamente com instituições de respeito do meio acadêmico, como a Universidade de São Paulo e a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Satisfeito com o Museu do Futebol, animo-me a acreditar que, em breve, outro velho sonho se torne realidade: a criação do Museu Pelé, em Santos–SP. Muitas promessas já foram feitas, mas, até agora, os projetos não saíram do papel. Infelizmente, a ideia da implantação desse museu no emissário submarino de Santos não foi levada adiante. Espero que se construa logo um palácio para que, por muitos anos ainda, o Rei do Futebol possa, ainda em vida, ser reverenciado por todos os seus súditos.
Acredito que o futebol possa ser mais bem explorado pelos profissionais do setor turístico. Agências de turismo especializadas, por exemplo, podem oferecer um serviço diferenciado a turistas em dias de jogos, além de roteiros turísticos que incluam visitas a museus, estádios, memoriais de clubes, centros de treinamento, bares temáticos etc. Alguns hotéis podem oferecer acomodações com decoração inspirada no futebol e disponibilizar a seus hóspedes vídeos de jogos antigos e de filmes sobre o tema.
Finalmente, aproveito este espaço para expressar a grande expectativa com que, como tantos brasileiros, aguardo os próximos sete anos, quando serão realizados, no Brasil, a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.
Pessoalmente, misturo dois sentimentos. Por um lado, preocupa-me a forma como o dinheiro público será gasto e o que orientará as decisões, se política ou técnica, além do fato de termos uma história onde as ocorrências de gastos indevidos são episódios frustrantes no esporte e fora dele.
Mas, ao mesmo tempo, não posso deixar de ser tomado por essa onda de otimismo, de vontade de colaborar, de fiscalizar, de participar, de contribuir, enfim, de alguma forma, para o sucesso desses dois megaeventos. Mesmo morando em São Paulo, atuei como voluntário do Pan no Rio de Janeiro, em 2007, juntando-me a centenas de brasileiros de diversos Estados do País que lá estavam para dar sua contribuição, trabalhando lado a lado com milhares de entusiasmados cariocas. Espero reviver essa experiência na Copa e nos Jogos Olímpicos – já estou inscrito como voluntário das Olimpíadas de 2016; desta vez, junto com meus dois sobrinhos! Não tenho dúvida de que a participação popular será o ponto alto desses dois eventos.
Aliás, em relação ao Pan de 2007, reconheço que, lamentavelmente, muitas promessas ficaram muito longe de se cumprirem, como a total despoluição das águas da Baía da Guanabara e a extensão da rede metroviária da cidade. Mas não se pode negar que a organização das competições foi quase perfeita; que praticamente não houve problemas de violência; que o cenário da maioria das instalações era exuberante; que a cerimônia de abertura foi emocionante, no nível das aberturas dos principais megaeventos internacionais; e que a participação e o envolvimento da população do Rio de Janeiro foram altamente positivos.
Reconheço que megaeventos esportivos podem trazer benefícios econômicos diretos e indiretos. Mas acho ainda mais importante a chance que teremos de mostrar que, com o mesmo talento e competência que o mundo reconhece e admira em nossos futebolistas, nós, brasileiros, também somos capazes de organizar esses eventos e de receber nossos visitantes com hospitalidade e segurança.
Claro que vou torcer muito para que o Brasil ganhe a Copa em 2014, e para que muitas medalhas sejam conquistadas pelos atletas brasileiros, em 2016. Minha maior torcida, porém, é para que, quando o time campeão estiver celebrando sua vitória ou quando a pira olímpica estiver sendo apagada, todos nós tenhamos motivos para nos sentirmos orgulhosos por termos cumprido nossa tarefa com responsabilidade, competência, honestidade e transparência.
“Frequento estádios desde o final da década de 1960, levado por meu tio, Jupter Paz, corintiano fanático. Uma de minhas melhores e mais antigas lembranças desses tempos foi a sensacional virada do Corinthians sobre o time da segunda academia do Palmeiras, em 1971, numa tarde fria no Estádio do Morumbi. Aquela vitória, por 4 x 3, foi comemorada como se o Timão tivesse ganhado um título – o que já não acontecia há quase 20 anos! [Clique aqui para ver o vídeo deste jogo.]
Além dessa, as maiores emoções que vivi nas arquibancadas foram as conquistas do Campeonato Paulista de 1977 e das Copas de 1994, nos Estados Unidos, e de 2002, no Japão.
Mas o gol que mais gosto de rever é o último da conquista do tri no México, em 1970, marcado pelo capitão Carlos Alberto, recebendo um passe de gênio do meu ídolo Pelé, numa jogada de que quase todos os jogadores brasileiros participam, sem que um único italiano tocasse na bola – considero aquele o mais fantástico time destes meus mais de 40 anos de torcedor!” [Clique aqui para ver o vídeo deste jogo.]

Paulistano do Itaim Bibi, Sérgio Miranda Paz tem 50 anos de idade e é doutor em Turismo pela ECA‑USP, com a tese “O futebol como patrimônio cultural do Brasil: estudo exploratório sobre possibilidades de incentivo ao turismo e ao lazer”. Também é doutor em Engenharia Elétrica pela EP‑USP, bacharel em Ciência da Computação pelo IME‑USP e licenciado em Educação Física pela EEFE‑USP. Atua como docente da Faculdade de Ciências Exatas e Tecnologia da PUC‑SP e como projetista de equipamentos eletrônicos.
Apaixonado por esportes e viagens, corintiano e cicloturista, viveu in loco as emoções dos Jogos Olímpicos de Atlanta e de Sydney, do Pan do Rio de Janeiro (no qual trabalhou, como voluntário) e das quatro últimas Copas, tendo atuado como guia na França, em 1998. “Pé‑quente”, está “invicto” nos jogos de Copa da seleção em que esteve presente no estádio: já são 16 partidas sem derrota, incluindo as finais do tetra e do penta!
Fonte: www.copa2014.turismo.com.

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