quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Estou com vergonha alheia da fila na porta da Apple


Começar o dia com vergonha alheia é uma droga…
Matéria no Bom Dia Brasil, da TV Globo, na manhã desta quinta, mostrou a fila formada na porta da loja da Apple, em Nova Iorque, de consumidores ansiosos para pôr as mãos em um iPhone 5. Gente que chegou uma semana antes do lançamento. E, o pior, diz isso com orgulho.
Sempre me penitenciei ao ver as filas quilométricas que precedem jogos importantes de futebol por conta de um pensamento, um tanto quanto moralista, que surge espontâneo, mas, no fundo, demonstra a mais pura inveja: esse povo não trabalha, não? Inveja – vamos deixar bem claro – não de dormir na fila,  fazer xixi no potinho e comer macarrão instantâneo, mas de dar uma escapada do trabalho para fazer algo para mim, bem nonsense de preferência.
Quando, daqui a dois séculos, analisarem os sinais da derrocada da nossa civilização de consumo desvairado, certamente a cena da porta da Apple será resgatada pelos historiadores. No meu tempo, havia gente que acampava na fila para ser o primeiro a entrar em um show de rock – o que também, convenhamos, é uma esquisitice sem tamanho. Mas, vá lá, é rock. Agora, é para ter um tamagochi.
Para alguns, o iPhone é um instrumento de trabalho – muitas vezes desnecessário, é claro. Afinal de contas, me pergunto se este aparelhinho do meu lado (qualquer leitor daqui sabe que tenho um e que adoro tecnologia, apesar de não acreditar na santidade do falecido Jobs) traz facilidades para minha vida diária, cria necessidades que eu nunca imaginei que eu tinha ou me escraviza aos seus caprichos.
Para outros, é um elemento que ajudar a dar sentido às coisas, contribui na formação da imagem que temos de nós mesmos e fornece um símbolo para que a comunidade o reconheça. Lembram-me daqueles cabeças ocas de ampola usuários de iPhone que jorraram preconceito nas redes sociais quando o Instagram tornou-se acessível também aos usuários do Android? Reclamavam que a rede social de fotos iria virar coisa do populacho, uma vez que elas seriam as que possuem telefones com esse sistema operacional, normalmente mais acessíveis.
São a versão moderna do sujeito que reclama que a calça de grife dele agora está em desconto, o que vai fazer com que mais pessoas a tenham, perdendo – portanto – a exclusividade – razão que o levou a adquirir tal peça. Não é a qualidade do produto que está em jogo, mas o que ele significa socialmente. O preço estipulado tem pouca relação nenhuma com custos de produção, mas serve para segregar – se não concorda, explica isso para a senhorinha boliviana escravizada que recebeu dois mangos para produzir uma saia vendida por setenta vezes esse preço.
A Apple vende estilo de vida. Do que somos. Do que gostaríamos de ser. Do que deveríamos ser – não em nossa opinião, necessariamente, mas de uma construção do que é bom e do que é ruim. Construção essa que vem, não raras vezes, de cima para baixo.
Já comentei aqui antes que a busca pela felicidade passa cada vez mais pelo ato de comprar. E a satisfação está disponível na lojas a uma passada de cartão de distância. Muitos de nós ficam tanto tempo trabalhando que tornam-se compradores compulsivos de símbolos daquilo que não conseguiremos obter por vivência direta. Através desses objetos, enlatamos a felicidade – pronta para consumo, mas que dura pouco.
Porque, como os produtos que a representam, possui sua obsolescência programada (3, 3G, 3GS, 4, 4S, 5…) para dar, daqui a pouco, mais dinheiro a alguém. E, certamente, não são os operários que montam os telefones na Foxconn.
PS: Achar que consumidor não pode reclamar dos problemas de um produto porque optou pela compra. Votar em alguém e, por conta disso, não pressioná-lo por quatro ou oito anos… Ter profunda culpa incutida na alma fez do brasileiro um ser pitoresco.
Fonte: Blog do Sakamoto

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