Revista USP, n. 68
Existe preconceito racial em nosso país?
Florestan Fernandes: Na verdade, nos acostumamos à situação existente no Brasil e confundimos tolerância racial com democracia racial. Para que esta última exista não é suficiente que haja alguma harmonia nas relações raciais de pessoas pertencentes a estoques raciais diferentes ou que pertencem a “raças” distintas. Democracia significa, fundamentalmente, igualdade racial, econômica e política. Ora, no Brasil, ainda hoje não conseguimos construir uma sociedade democrática nem mesmo para os “brancos” das elites tradicionais e das classes médicas em florescimento. É uma confusão, sob muitos aspectos, farisaica pretender que o negro e o mulato contem com a igualdade de oportunidades diante do branco, em termos de renda, de prestígio social e de poder. O padrão brasileiro de relação social, ainda hoje dominante, foi construído por uma sociedade escravista, ou seja, para manter o “negro” sob a sujeição do “branco”. Enquanto esse padrão de relação social não for abolido, a distância econômica, social e política entre “negro” e “branco” será grande, embora tal coisa não seja reconhecida de modo aberto, honesto e explícito.
Os resultados da investigação que fiz, em colaboração com o Prof. Roger Bastide, demonstram que essa propalada “democracia racial” não passa, infelizmente, de um mito social. É um mito criado pela maioria e tendo em vista os interesses sociais e os valores morais da maioria; ele não ajuda o “branco” no sentido de obrigá-lo a diminuir as formas existentes de resistência à ascensão social do “negro”; nem ajuda o “negro” a tomar consciência realista da situação e lutar para modifica-la, de modo a converter a “tolerância racial” existente em um fator favorável a seu êxito como pessoa e como membro de um estoque “racial”.
Quais são os tipos de preconceito racial que existem?
Florestan Fernandes: De fato, existem várias formas socioculturais de preconceito racial. O que há de mal conosco consiste no fato de que tomamos como paralelo o tipo de preconceito racial explícito, aberto e sistemático posto em prática nos Estados Unidos. Todavia, os especialistas já evidenciaram que existem vários tipos de preconceito, e pelo menos um sociólogo brasileiro, o Prof. Oracy Nogueira, preocupou-se em caracterizar as diferenças existentes entre o preconceito racial sistemático, que ocorre nos Estados Unidos, e o preconceito dissimulado e assistemático, do tipo que se manifesta no Brasil. Já tentei, de minha parte, compreender geneticamente o nosso modo de ser. Segundo penso, o catolicismo criou um drama moral para os antigos senhores de escravos, pois a escravidão colidia com os “mores”* cristãos. Surgiu daí a tendência a disfarçar a inobservância dos “mores”, pela recusa sistemática do reconhecimento da existência de um preconceito que legitimava a própria escravidão. Sem a idéia de que o “negro” seria “inferior” e necessariamente “subordinado” ao “branco”, a escravidão não seria possível num país cristão. Tomaram-se estas noções para dar fundamento à escravidão e para alimentar outra racionalização corrente, segundo a qual o próprio negro seria “beneficiado” pela escravidão, mas sem aceitar-se a moral da relação que estabelecia entre o senhor e o escravo. Por isso, surgiu no Brasil uma espécie de preconceito reativo: o preconceito contra o preconceito de ter preconceito. Ao que parece, entendia-se que ter preconceito seria degradante e o esforço maior passou a ser o de combater a idéia de que existiria preconceito no Brasil, sem se fazer nada no sentido de melhorar a situação do negro e de acabar com as misérias inerentes ao seu destino humano na sociedade brasileira. Acho que aqui seria bom se lessem os trabalhos recentes publicados por sociólogos, antropólogos e psicólogos, mais ou menos concordantes, e, em particular, que o “branco” se reeducasse de tal maneira que pudesse pôr em prática, realmente, as disposições igualitárias que ele propala ter diante do “negro”.
Há segregação e discriminação racial no Brasil?
Florestan Fernandes: A discriminação que se pratica no Brasil é parte da herança social da sociedade escravista. No mundo em que o “negro” e o “branco” se relacionavam como escravo e senhor, este último tinha prerrogativas que aquele não possuía – nem podia possuir – como “coisa” que era e “fôlego vivo”, uma espécie de “instrumento animado das relações de produção”. A passagem da sociedade escrava para a sociedade livre não se deu em condições ideais. Ao contrario, o negro e o mulato viram-se submergidos na economia de subsistência, nivelando-se, então, com o “branco” que também não conseguia classificar-se socialmente, ou formando uma espécie de escória da grande cidade, vendo-se condenados à miséria social mais terrível e degradante. Apesar de seus ideais humanitários, o abolicionismo não conduziu os “brancos” a uma política de amparo ao negro e ao mulato. Como demonstram os resultados da análise pioneira de Roberto Simonsen, em trabalho magistral, nos momentos mais duros da transição existiram fazendeiro que defendiam a idéia de indenização. Nenhum deles se levantou em prol da indenização do escravo ou do liberto e, em conseqüência, os segmentos da população brasileira que estavam associados à condição de escravo ou de liberto viram-se nas piores condições de vida nas grandes cidades. Foram reduzidos a uma condição marginal, na qual se viram mantidos até o presente. Somente depois de 1945 começaram a surgir oportunidade de classificação na estrutura da ordem social competitiva, ainda assim, para número limitado de indivíduos potencialmente capazes de terem êxito na competição socioeconômica com os brancos. A discriminação existente é um produto do que chamei “persistência ao passado”, em todas as esferas das relações humanas na mentalidade do branco – na mentalidade do “branco” e do “negro”, nos seus ajustamentos à vida prática e na organização das instituições e dos grupos sociais. Para acabarmos com esse tipo de distriminação, seria necessário extinguir o padrão tradicional brasileiro de relação racial, e criar um novo padrão realmente igualitário e democrático de relação social, que conferisse igualdade econômica, social, cultural e política entre negros, brancos e mulatos. As mesmas idéias podem ser aplicadas à segregação. Esta foi praticada no passado senhorial, apesar da convivência por vezes íntima entre senhores e escravos. Fazia parte do duplo estilo de vida que separava espacial, moral e socialmente o “mundo da senzala” do “mundo da casa grande”. A segregação do negro é sutil e dissimulada, pois ele é confinado ao que os antigos líderes dos movimentos negros de São Paulo chamavam de porão da sociedade. As coisas estão se alterando, nos últimos tempos, mas de forma muito superficial e demorada. Para atingirmos a situação oposta, implícita no nosso mito de democracia racial, o negro e o mulato precisariam confundir-se com o branco num mundo de igualdade de oportunidades para todos, independentemente da cor da pele e da extração social. É pouco provável que isso se dê sem que os próprios negros e mulatos tenham consciência mais completa e profunda de seus interesses numa sociedade multirracial, em que eles constituem uma maioria deserdada e prescrita. Quanto tempo terá que correr para que consigam tratamento igualitário numa sociedade racialmente aberta? Essa pergunta parece-me fundamental. Os negros devem preparar-se para respondê-la e os “brancos” devem preparar-se para ajuda-los, solidariamente, a pôr em prática as soluções que a razão indicar, sem subterfúgios, e com grandeza humana.
*Mores: costumes e valores considerados essenciais por um grupo social
Fonte: http://sociologiadervilleallegretti.blogspot.com
Sociologia, sindicalismo,Política, cidadania, cultura, arte, questões da mulher e direitos humanos e trabalhistas, entre outro temas da vida.
quinta-feira, 25 de julho de 2013
terça-feira, 23 de julho de 2013
Artigo sobre a morte
A morte em Edgar Morin
“Apontado como um dos principais pensadores da atualidade Edgar Morin é autor, dentre outras obras, de O homem e a morte (1970), estudo no qual ele se dedica a investigar a complexa relação apontada pelo título. O homem é adaptado ou inadaptado à morte? Segundo Morin, esta é a pergunta capital que orienta implicitamente o seu estudo. Ele afirma que “o luto exprime socialmente a inadaptação à morte, mas, ao mesmo tempo, ele é este processo social de adaptação que tende a fechar a ferida dos indivíduos sobreviventes”.(MORIN, 1997: 80)
O seu trabalho tem como eixo a relação antropobiológica, o duplo e a morte-renascimento. Morin defende que todas as crenças e ideologias da morte tiveram seu desenvolvimento a partir desses três elementos. Estabelece-se, portanto, uma diferença fundamental do estudo de Morin com os trabalhos de Ariès e Bayard. Estes fazem um estudo histórico de longa duração buscando compreender a atitude do homem diante da morte (especificamente do rito mortuário em Bayard) em diversas sociedades e épocas, enquanto Morin, ao contrário, tem como objetivo propor uma ampla discussão acerca da relação homem-morte.
Sendo assim, a introdução geral tem como subtítulo Antropologia da morte, sendo o termo compreendido por ele como a ciência do fenômeno humano. Sua antropologia da morte mobiliza a pré-história, a etnologia, a história, a sociologia, a psicologia e a psicologia da infância. Assim como Bayard, Morin afirma que o homem é a única espécie que acredita na sobrevivência após a morte, e por isso, acompanha a morte com um ritual funerário. Ainda nas fronteiras do no man’s land já havia a preocupação com a morte. Para Morin, as sepulturas são dados fundamentais da morte humana.
Morin lembra que: “não existe nenhum grupo arcaico, por mais primitivo que seja, que abandone seus mortos ou os abandone sem ritos”. (Morin, 1997: 25). E isso implica na sobrevivência daqueles. Além da ferramenta, a sepultura passa a fazer parte da humanização do homem primitivo, pois ela indica a preocupação com a morte. Se por um lado é possível saber a idade e as determinações da humanidade através da ferramenta, é somente através da sepultura que se pode encontrar a revelação sobre a morte. Uma investigação sobre os dados funerários leva a crer que se havia uma preocupação com as práticas funerárias é porque os primitivos acreditavam na sobrevivência do morto. Do contrário, deixariam os cadáveres insepultos e prosseguiriam. As práticas relativas aos cadáveres ajudam, portanto, a conhecer os fenômenos humanos.
Percebe-se que desde os primeiros tempos o ser humano tem consciência da morte, a reconhece como um fato. Juntamente com esse reconhecimento vem também o horror a ela que percorrerá toda a história da humanidade. O homem teme a morte porque com ela ele perde a sua individualidade, por isso, quanto mais próximo for o morto, mais violenta será a dor. Essa perda da individualidade resulta do que Morin chama de “traumatismo da morte”, que juntamente com a consciência da morte e a crença na imortalidade formam o triplo dado antropológico.
Mas desde já é notável constatar que nenhuma sociedade, inclusive a nossa, conheceu ainda a vitória absoluta, seja da imortalidade, seja da consciência desmitificada da morte, seja do horror da morte, seja da vitória contra o horror da morte (MORIN, 1997: 38).
Interessante notar que, no entanto, em tempos de guerra este medo se dissipa. “A morte horrível retorna mais tarde, quando a guerra já se acabou”. (MORIN,1997: 42) Esta atitude da sociedade diante da guerra é denominada de “regressão geral da consciência”, estado no qual o indivíduo se endurece, se encoraja, numa atitude de civismo. A sociedade, ao se afirmar em relação ao indivíduo, anula quase completamente a morte.
De volta à pergunta: O homem é adaptado ou inadaptado à morte? Morin afirma que “esta natureza é a espécie humana, que , como todas as outras espécies evoluídas, vive da morte de seus indivíduos: o que nos deixa entrever uma inadaptação interior, geral, do homem à natureza, mas uma inadaptação íntima do indivíduo humano a sua própria espécie”. (MORIN, 1997: 55).
Outras espécies, além da humana, conhecem a morte e por isso, têm o instinto de defesa, de sobrevivência. Na verdade, não é possível definir até que ponto os animais têm “conhecimento” da morte. No entanto, está claro que não é o indivíduo que conhece a morte e sim a espécie. Eles não conhecem a morte como perda da individualidade, mas há exceções, como no caso dos cães que sentem a perda do dono. Já para o homem, seu conhecimento da morte é exterior a ele. Ela é para o homem algo irreal, “incrível”. Morin a define como uma cegueira em relação à morte. Morin afirma também que: “A consciência da morte não é algo inato, e sim produto de uma consciência que capta o real. É só ‘por experiência’, como diz Voltaire, que o homem sabe que há de morrer. A morte humana é um conhecimento do indivíduo”.(MORIN, 1997: 61).
Mas se a espécie humana conhece a morte e por isso a recusa, o que dizer de comportamentos como o assassinato e o canibalismo? O ato de comer a carne do seu semelhante é praticado desde a pré-história com diversas finalidades e essa prática só desaparece quando o homem é visto como indivíduo. Já no assassinato, vemos que o homem é a única espécie a matar seu semelhante sem necessidade vital. Inclusive, desenvolveu armas somente com este objetivo. Para o autor: “Hoje com a arma atômica, o homem é capaz de destruir a espécie humana, e nenhum freio da espécie pode nos garantir que não o fará”.(MORIN, 1997: 70).
O risco de morte é também um paradoxo, pois ao mesmo tempo em que tem horror da morte, o indivíduo se expõe a ela. Na guerra, por exemplo, corre-se o risco de morte por martírio, por prestígio, por orgulho, por valores.
Além da antropologia, Morin analisa a morte também no âmbito da biologia. “É aí que poderemos apreender, através da identidade do movimento de regressão da espécie e progressão do indivíduo, a realidade humana fundamental”. (MORIN, 1997: 83). Segundo ele, o ser humano se assemelha mais ao feto e esse fato gera uma simplificação no organismo, fazendo dele um ser indeterminado que se traduz em uma não-especialização fisiológica:
A criança-homem, mais nua que um verme, é o ser mais deserdado da natureza. Chega num mundo onde nenhuma especialização fisiológica, nenhum hábito hereditário lhe servirá de apoio natural, de sistema de autodefesa. Tem de aprender, não apenas o que é propriamente humano (a linguagem, os comportamentos sociais), mas o saber inato no animal (andar, nadar, se acasalar, parir etc) (MORIN, 1997: 85)
Nessa indeterminação o homem está aberto a todas as participações, é ilimitado. É um ser instável, uma espécie de espelho do mundo biológico, e sua indeterminação faz com que ele imite a natureza, os animais, as plantas. No entanto, o homem tem a seu favor a mão e o cérebro. Com eles, a espécie irá determinar o seu meio. Morin profetiza que o corpo do homem não evoluirá para uma especialização, mas sim se desespecializará cada vez mais, se adaptando e adaptando o mundo em que vive.
Através da evolução da técnica o homem se apropria do mundo e dos outros homens, abrindo-se ilimitadamente para o mundo. Além disso, o homem adquiriu a linguagem, sistema que permite criar, organizar e acumular o saber. As palavras nomeiam as coisas e permitem também exprimir a afetividade. “Portanto, com a palavra e o símbolo, o homem antropomorfiza a natureza: ele lhe atribui determinações humanas, e as recorta em coisas”. (MORIN, 1997: 94) [...]
O renascimento do morto é uma crença universal nos povos arcaicos e está presente na humanidade contemporânea. Esse fato denota uma forma de acreditar na própria imortalidade. Morin afirma que “Toda uma gama de práticas, no decurso das cerimônias funerárias, visa iniciar o morto para sua vida póstuma, e garantir-lhe a passagem, seja para o novo nascimento, seja para a vida particular do duplo”. (MORIN, 1997: 119). Um exemplo contemporâneo desse comportamento arcaico é transferência de nomes de antepassados mortos aos recém-nascidos.
A analogia morte-fecundidade está presente em quase todas as civilizações, pois nas mais diversas mentalidades a morte sempre provoca um nascimento e vice-versa. Isso fica bem evidente nos ritos de iniciação: o neófito parte para uma nova vida, ou seja, para o renascimento. A morte-renascimento apela também para a purificação, o qual começa com o ritual do banho. Além da água, a terra é também um elemento ligado ao renascimento. Isso porque ela está relacionada à maternidade, é a terra-mãe. Por conseqüência, ela simbolizará também a pátria. São diversos os exemplos de pessoas, que estando fora de seu país, desejam voltar para ser enterrado na terra onde nasceram. Os povos arcaicos enterravam na posição fetal, ou seja, lembrando o nascimento.
A crença no renascimento abre uma brecha para outra crença que se manifesta nas concepções arcaicas. É a manifestação do duplo através do qual o indivíduo pensa assegurar sua vida após a morte. Desde que o homem passou a enterrar o morto com seus pertences percebe-se a crença de que o morto tem vida própria.
Mas este duplo não é tanto a reprodução, a cópia exata post mortem do indivíduo morto: ele acompanha o vivo durante sua existência inteira, ele o duplica, e este último o sente, o conhece, o ouve o vê, conforme sua experiência quotidiana e quotinoturna, em seus sonhos, sua sombra, seu reflexo, seu eco, sua respiração, seu pênis e até seusgases intestinais.(MORIN, 1997: 234).
Assim, o luto e os tratamentos funerários tem como objetivo garantir a sobrevivência do duplo. Por esse motivo as sociedades modernas mantêm as mesmas concepções arcaicas com relação a tais práticas. Nas sociedades arcaicas, o duplo vela enquanto a pessoa dorme e se manifesta também através da sombra e do reflexo. Daí as inúmeras superstições envolvendo-os. O duplo é uma espécie de alter ego que a pessoa sente ao longo da sua vida, ou seja, não é uma cópia, mas uma realidade. Para os primitivos, os duplos coabitam o espaço dos vivos e a forma como estes tratam os cadáveres demonstram a preocupação com aqueles. Existe atualmente uma enorme diversidade de práticas relacionadas ao cadáver, das quais as mais conhecidas são a incineração e a inumação, utilizadas desde a pré-história. Além deles, há também o embalsamamento, o endocanibalismo. Em todos esses métodos percebe-se uma preocupação do vivo com a decomposição e todos tendem a garantir a “melhor sobrevivência do duplo”.
E onde vivem os duplos? Segundo as mais variadas crenças o morto não está sob a terra, mas perto dos túmulos, nas casas onde viveram. Estão presentes, por exemplo, no dia de finados. Para alguns, há a idéia de que os duplos podem viajar para o inferno ou para o reino dos céus. Alguns mortos podem até se transformar em deuses.
Não se pode esquecer do medo que eles causam e que tal sentimento fará com que se rendam culto a eles. Esse culto, Morin denomina de “fixação institucionalizada do infantilismo humano diante da morte”.
Essas crenças primitivas relativas ao duplo e à morte-renascimento vão evoluir até chegar à salvação, ao Deus supremo e à filosofia da morte. Contudo, pode-se perceber em nossa sociedade atual as concepções arcaicas da morte. Segundo Morin, o folclore e o ocultismo são um exemplo disso. O folclore é uma das manifestações mais expressivas da mentalidade arcaica: aparições, casas mal-assombradas, videntes, curandeiros. Para o autor, tanto o folclore quanto o ocultismo são resultado de uma mentalidade arcaica e infantil.
Segundo Morin, o surgimento do espiritismo como doutrina é um exemplo de crença no duplo. “Não é mais que a teoria e a prática experimental das relações com o duplo, com ou sem a interposição dos médiuns (necromantes aptos à comunicação hipnótica com o além)”. (MORIN, 1997: 162).
A morte-renascimento está presente também na poesia, que não é “senão a linguagem nativa, encantatória, mágica, sagrada, universalmente determinada pela metáfora, pela aliteração, pelo ritmo, isto é, pela analogia, que brota dos lençóis inconscientes da ‘inspiração’” (MORIN, 1970: 168) Livre e espontânea, a poesia exprime as possibilidades infinitas da indeterminação humana. Nos romances há a presença de elementos sacrificiais da morte, nos quais os escritores matam os personagens para tentar liberar sua angústia de morte. A literatura apresenta também inúmeros exemplos do duplo e todas as suas associações: a sombra, o espelho, o reflexo.
Ao analisar as “cristalizações históricas da morte”, Morin atesta que chega um ponto em que os mortos começaram a se afastar dos vivos e essa fato resultou no enfraquecimento do duplo, ocorrendo uma ascensão dos deuses. A decadência do duplo tem como explicação a urbanização, que vai caracterizar o progresso da consciência de si. A partir daí surge a idéia de alma, que é o duplo interiorizado, uma identidade subjetiva e não mais exterior, como era a idéia do duplo arcaico. “E ao passo que o deus é um duplo exteriorizado, objetivado, que finalmente se desliga do homem, a alma é o duplo interiorizado, subjetivizado, que a ele se reintegra”. (MORIN, 1997: 183)
O aparecimento da alma vai colocar um novo problema à imortalidade, que vai ser reivindicada progressivamente. Nas sociedades urbanizadas se abrem três vias para a morte: a salvação pessoal, a salvação cósmica e o ceticismo. No entanto, nenhuma delas responde à necessidade do indivíduo.
A salvação, adquirida através da imortalidade é analisada por Morin em várias culturas. De todas as religiões de salvação descritas, a mais importante para os ocidentais e para o presente trabalho é a cristã. Para ele três são suas características fundamentais dessa que é considerada por ele como uma das mais expressivas da humanidade:
1. Não é um culto qualquer que vai se transformar em mistério, mas uma aspiração muito tempo reprimida pela religião oficial, e cuja força exaltada se revela capaz de romper-lhe os diques;2. é uma religião de salvação em estado nascente , que exprime em si, com uma pureza e uma profundeza sem mescla, o desejo de ressurreição;3. é uma religião vivida, atualizada.
Isso, somado à atualização fará do cristianismo uma das maiores religiões do planeta. É a última religião de salvação e será a que mais fortemente se manifestará contra a morte. “Ela será unicamente determinada pela morte; Cristo resplandece em torno da morte, só existe para e através da morte, carrega a morte, vive da morte” (MORIN, 1997: 208-209) Assim, a morte está no cerne do cristianismo. A partir do século XVIII começa a haver uma renovação do problema da morte. Com os progressos tecnológicos ocorre uma diferenciação entre o mundo humano e o mundo natural, resultando disso uma maior consciência do indivíduo de si mesmo. Pela primeira vez ele irá perceber que a humanidade está em marcha e que tudo caminha inexoravelmente para a destruição. Na segunda metade do século XIX, instala-se uma crise de morte, que vai destruir o seu próprio conceito, corroer a própria vida. A crise geral do mundo contemporâneo causa uma crise de individualidade. A literatura passa então, a ser marcada pela obsessão da morte. Nesse contexto, ressurge a idéia de salvação, mas reformulada.
Para Morin, está em marcha uma verdadeira luta contra a velhice e a morte. “Poderá o gênio humano ultrapassar o estágio atual da luta contra a morte?”, pergunta ele. Como um ser indeterminado, aberto a infinitas possibilidades, não é possível prever onde tudo isso vai dar. Mas o homem amortal seria ainda o mesmo homem? Ou estaríamos a caminho de uma mutação? “Nós nos aproximamos de uma fronteira, ou para nos despedaçar contra ela, ou para dar meia volta, ou para transpô-la. Assim caminha o homem, entre o indefinido e o infinito. “Nada está realmente aberto, nada está realmente fechado. Uma nova aventura é possível”.(MORIN, 1997: 353).”
---Fonte:http://www.ibamendes.com/2011/02/morte-em-edgar-morin.html
NECILDA DE SOUZA: “O RITO FUNERÁRIO EM AUTRAN DOURADO” (Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Letras, da Universidade Estadual de Londrina, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Alamir Aquino Corrêa). Londrina, 2003.
O seu trabalho tem como eixo a relação antropobiológica, o duplo e a morte-renascimento. Morin defende que todas as crenças e ideologias da morte tiveram seu desenvolvimento a partir desses três elementos. Estabelece-se, portanto, uma diferença fundamental do estudo de Morin com os trabalhos de Ariès e Bayard. Estes fazem um estudo histórico de longa duração buscando compreender a atitude do homem diante da morte (especificamente do rito mortuário em Bayard) em diversas sociedades e épocas, enquanto Morin, ao contrário, tem como objetivo propor uma ampla discussão acerca da relação homem-morte.
Sendo assim, a introdução geral tem como subtítulo Antropologia da morte, sendo o termo compreendido por ele como a ciência do fenômeno humano. Sua antropologia da morte mobiliza a pré-história, a etnologia, a história, a sociologia, a psicologia e a psicologia da infância. Assim como Bayard, Morin afirma que o homem é a única espécie que acredita na sobrevivência após a morte, e por isso, acompanha a morte com um ritual funerário. Ainda nas fronteiras do no man’s land já havia a preocupação com a morte. Para Morin, as sepulturas são dados fundamentais da morte humana.
Morin lembra que: “não existe nenhum grupo arcaico, por mais primitivo que seja, que abandone seus mortos ou os abandone sem ritos”. (Morin, 1997: 25). E isso implica na sobrevivência daqueles. Além da ferramenta, a sepultura passa a fazer parte da humanização do homem primitivo, pois ela indica a preocupação com a morte. Se por um lado é possível saber a idade e as determinações da humanidade através da ferramenta, é somente através da sepultura que se pode encontrar a revelação sobre a morte. Uma investigação sobre os dados funerários leva a crer que se havia uma preocupação com as práticas funerárias é porque os primitivos acreditavam na sobrevivência do morto. Do contrário, deixariam os cadáveres insepultos e prosseguiriam. As práticas relativas aos cadáveres ajudam, portanto, a conhecer os fenômenos humanos.
Percebe-se que desde os primeiros tempos o ser humano tem consciência da morte, a reconhece como um fato. Juntamente com esse reconhecimento vem também o horror a ela que percorrerá toda a história da humanidade. O homem teme a morte porque com ela ele perde a sua individualidade, por isso, quanto mais próximo for o morto, mais violenta será a dor. Essa perda da individualidade resulta do que Morin chama de “traumatismo da morte”, que juntamente com a consciência da morte e a crença na imortalidade formam o triplo dado antropológico.
Mas desde já é notável constatar que nenhuma sociedade, inclusive a nossa, conheceu ainda a vitória absoluta, seja da imortalidade, seja da consciência desmitificada da morte, seja do horror da morte, seja da vitória contra o horror da morte (MORIN, 1997: 38).
Interessante notar que, no entanto, em tempos de guerra este medo se dissipa. “A morte horrível retorna mais tarde, quando a guerra já se acabou”. (MORIN,1997: 42) Esta atitude da sociedade diante da guerra é denominada de “regressão geral da consciência”, estado no qual o indivíduo se endurece, se encoraja, numa atitude de civismo. A sociedade, ao se afirmar em relação ao indivíduo, anula quase completamente a morte.
De volta à pergunta: O homem é adaptado ou inadaptado à morte? Morin afirma que “esta natureza é a espécie humana, que , como todas as outras espécies evoluídas, vive da morte de seus indivíduos: o que nos deixa entrever uma inadaptação interior, geral, do homem à natureza, mas uma inadaptação íntima do indivíduo humano a sua própria espécie”. (MORIN, 1997: 55).
Outras espécies, além da humana, conhecem a morte e por isso, têm o instinto de defesa, de sobrevivência. Na verdade, não é possível definir até que ponto os animais têm “conhecimento” da morte. No entanto, está claro que não é o indivíduo que conhece a morte e sim a espécie. Eles não conhecem a morte como perda da individualidade, mas há exceções, como no caso dos cães que sentem a perda do dono. Já para o homem, seu conhecimento da morte é exterior a ele. Ela é para o homem algo irreal, “incrível”. Morin a define como uma cegueira em relação à morte. Morin afirma também que: “A consciência da morte não é algo inato, e sim produto de uma consciência que capta o real. É só ‘por experiência’, como diz Voltaire, que o homem sabe que há de morrer. A morte humana é um conhecimento do indivíduo”.(MORIN, 1997: 61).
Mas se a espécie humana conhece a morte e por isso a recusa, o que dizer de comportamentos como o assassinato e o canibalismo? O ato de comer a carne do seu semelhante é praticado desde a pré-história com diversas finalidades e essa prática só desaparece quando o homem é visto como indivíduo. Já no assassinato, vemos que o homem é a única espécie a matar seu semelhante sem necessidade vital. Inclusive, desenvolveu armas somente com este objetivo. Para o autor: “Hoje com a arma atômica, o homem é capaz de destruir a espécie humana, e nenhum freio da espécie pode nos garantir que não o fará”.(MORIN, 1997: 70).
O risco de morte é também um paradoxo, pois ao mesmo tempo em que tem horror da morte, o indivíduo se expõe a ela. Na guerra, por exemplo, corre-se o risco de morte por martírio, por prestígio, por orgulho, por valores.
Além da antropologia, Morin analisa a morte também no âmbito da biologia. “É aí que poderemos apreender, através da identidade do movimento de regressão da espécie e progressão do indivíduo, a realidade humana fundamental”. (MORIN, 1997: 83). Segundo ele, o ser humano se assemelha mais ao feto e esse fato gera uma simplificação no organismo, fazendo dele um ser indeterminado que se traduz em uma não-especialização fisiológica:
A criança-homem, mais nua que um verme, é o ser mais deserdado da natureza. Chega num mundo onde nenhuma especialização fisiológica, nenhum hábito hereditário lhe servirá de apoio natural, de sistema de autodefesa. Tem de aprender, não apenas o que é propriamente humano (a linguagem, os comportamentos sociais), mas o saber inato no animal (andar, nadar, se acasalar, parir etc) (MORIN, 1997: 85)
Nessa indeterminação o homem está aberto a todas as participações, é ilimitado. É um ser instável, uma espécie de espelho do mundo biológico, e sua indeterminação faz com que ele imite a natureza, os animais, as plantas. No entanto, o homem tem a seu favor a mão e o cérebro. Com eles, a espécie irá determinar o seu meio. Morin profetiza que o corpo do homem não evoluirá para uma especialização, mas sim se desespecializará cada vez mais, se adaptando e adaptando o mundo em que vive.
Através da evolução da técnica o homem se apropria do mundo e dos outros homens, abrindo-se ilimitadamente para o mundo. Além disso, o homem adquiriu a linguagem, sistema que permite criar, organizar e acumular o saber. As palavras nomeiam as coisas e permitem também exprimir a afetividade. “Portanto, com a palavra e o símbolo, o homem antropomorfiza a natureza: ele lhe atribui determinações humanas, e as recorta em coisas”. (MORIN, 1997: 94) [...]
O renascimento do morto é uma crença universal nos povos arcaicos e está presente na humanidade contemporânea. Esse fato denota uma forma de acreditar na própria imortalidade. Morin afirma que “Toda uma gama de práticas, no decurso das cerimônias funerárias, visa iniciar o morto para sua vida póstuma, e garantir-lhe a passagem, seja para o novo nascimento, seja para a vida particular do duplo”. (MORIN, 1997: 119). Um exemplo contemporâneo desse comportamento arcaico é transferência de nomes de antepassados mortos aos recém-nascidos.
A analogia morte-fecundidade está presente em quase todas as civilizações, pois nas mais diversas mentalidades a morte sempre provoca um nascimento e vice-versa. Isso fica bem evidente nos ritos de iniciação: o neófito parte para uma nova vida, ou seja, para o renascimento. A morte-renascimento apela também para a purificação, o qual começa com o ritual do banho. Além da água, a terra é também um elemento ligado ao renascimento. Isso porque ela está relacionada à maternidade, é a terra-mãe. Por conseqüência, ela simbolizará também a pátria. São diversos os exemplos de pessoas, que estando fora de seu país, desejam voltar para ser enterrado na terra onde nasceram. Os povos arcaicos enterravam na posição fetal, ou seja, lembrando o nascimento.
A crença no renascimento abre uma brecha para outra crença que se manifesta nas concepções arcaicas. É a manifestação do duplo através do qual o indivíduo pensa assegurar sua vida após a morte. Desde que o homem passou a enterrar o morto com seus pertences percebe-se a crença de que o morto tem vida própria.
Mas este duplo não é tanto a reprodução, a cópia exata post mortem do indivíduo morto: ele acompanha o vivo durante sua existência inteira, ele o duplica, e este último o sente, o conhece, o ouve o vê, conforme sua experiência quotidiana e quotinoturna, em seus sonhos, sua sombra, seu reflexo, seu eco, sua respiração, seu pênis e até seusgases intestinais.(MORIN, 1997: 234).
Assim, o luto e os tratamentos funerários tem como objetivo garantir a sobrevivência do duplo. Por esse motivo as sociedades modernas mantêm as mesmas concepções arcaicas com relação a tais práticas. Nas sociedades arcaicas, o duplo vela enquanto a pessoa dorme e se manifesta também através da sombra e do reflexo. Daí as inúmeras superstições envolvendo-os. O duplo é uma espécie de alter ego que a pessoa sente ao longo da sua vida, ou seja, não é uma cópia, mas uma realidade. Para os primitivos, os duplos coabitam o espaço dos vivos e a forma como estes tratam os cadáveres demonstram a preocupação com aqueles. Existe atualmente uma enorme diversidade de práticas relacionadas ao cadáver, das quais as mais conhecidas são a incineração e a inumação, utilizadas desde a pré-história. Além deles, há também o embalsamamento, o endocanibalismo. Em todos esses métodos percebe-se uma preocupação do vivo com a decomposição e todos tendem a garantir a “melhor sobrevivência do duplo”.
E onde vivem os duplos? Segundo as mais variadas crenças o morto não está sob a terra, mas perto dos túmulos, nas casas onde viveram. Estão presentes, por exemplo, no dia de finados. Para alguns, há a idéia de que os duplos podem viajar para o inferno ou para o reino dos céus. Alguns mortos podem até se transformar em deuses.
Não se pode esquecer do medo que eles causam e que tal sentimento fará com que se rendam culto a eles. Esse culto, Morin denomina de “fixação institucionalizada do infantilismo humano diante da morte”.
Essas crenças primitivas relativas ao duplo e à morte-renascimento vão evoluir até chegar à salvação, ao Deus supremo e à filosofia da morte. Contudo, pode-se perceber em nossa sociedade atual as concepções arcaicas da morte. Segundo Morin, o folclore e o ocultismo são um exemplo disso. O folclore é uma das manifestações mais expressivas da mentalidade arcaica: aparições, casas mal-assombradas, videntes, curandeiros. Para o autor, tanto o folclore quanto o ocultismo são resultado de uma mentalidade arcaica e infantil.
Segundo Morin, o surgimento do espiritismo como doutrina é um exemplo de crença no duplo. “Não é mais que a teoria e a prática experimental das relações com o duplo, com ou sem a interposição dos médiuns (necromantes aptos à comunicação hipnótica com o além)”. (MORIN, 1997: 162).
A morte-renascimento está presente também na poesia, que não é “senão a linguagem nativa, encantatória, mágica, sagrada, universalmente determinada pela metáfora, pela aliteração, pelo ritmo, isto é, pela analogia, que brota dos lençóis inconscientes da ‘inspiração’” (MORIN, 1970: 168) Livre e espontânea, a poesia exprime as possibilidades infinitas da indeterminação humana. Nos romances há a presença de elementos sacrificiais da morte, nos quais os escritores matam os personagens para tentar liberar sua angústia de morte. A literatura apresenta também inúmeros exemplos do duplo e todas as suas associações: a sombra, o espelho, o reflexo.
Ao analisar as “cristalizações históricas da morte”, Morin atesta que chega um ponto em que os mortos começaram a se afastar dos vivos e essa fato resultou no enfraquecimento do duplo, ocorrendo uma ascensão dos deuses. A decadência do duplo tem como explicação a urbanização, que vai caracterizar o progresso da consciência de si. A partir daí surge a idéia de alma, que é o duplo interiorizado, uma identidade subjetiva e não mais exterior, como era a idéia do duplo arcaico. “E ao passo que o deus é um duplo exteriorizado, objetivado, que finalmente se desliga do homem, a alma é o duplo interiorizado, subjetivizado, que a ele se reintegra”. (MORIN, 1997: 183)
O aparecimento da alma vai colocar um novo problema à imortalidade, que vai ser reivindicada progressivamente. Nas sociedades urbanizadas se abrem três vias para a morte: a salvação pessoal, a salvação cósmica e o ceticismo. No entanto, nenhuma delas responde à necessidade do indivíduo.
A salvação, adquirida através da imortalidade é analisada por Morin em várias culturas. De todas as religiões de salvação descritas, a mais importante para os ocidentais e para o presente trabalho é a cristã. Para ele três são suas características fundamentais dessa que é considerada por ele como uma das mais expressivas da humanidade:
1. Não é um culto qualquer que vai se transformar em mistério, mas uma aspiração muito tempo reprimida pela religião oficial, e cuja força exaltada se revela capaz de romper-lhe os diques;2. é uma religião de salvação em estado nascente , que exprime em si, com uma pureza e uma profundeza sem mescla, o desejo de ressurreição;3. é uma religião vivida, atualizada.
Isso, somado à atualização fará do cristianismo uma das maiores religiões do planeta. É a última religião de salvação e será a que mais fortemente se manifestará contra a morte. “Ela será unicamente determinada pela morte; Cristo resplandece em torno da morte, só existe para e através da morte, carrega a morte, vive da morte” (MORIN, 1997: 208-209) Assim, a morte está no cerne do cristianismo. A partir do século XVIII começa a haver uma renovação do problema da morte. Com os progressos tecnológicos ocorre uma diferenciação entre o mundo humano e o mundo natural, resultando disso uma maior consciência do indivíduo de si mesmo. Pela primeira vez ele irá perceber que a humanidade está em marcha e que tudo caminha inexoravelmente para a destruição. Na segunda metade do século XIX, instala-se uma crise de morte, que vai destruir o seu próprio conceito, corroer a própria vida. A crise geral do mundo contemporâneo causa uma crise de individualidade. A literatura passa então, a ser marcada pela obsessão da morte. Nesse contexto, ressurge a idéia de salvação, mas reformulada.
Para Morin, está em marcha uma verdadeira luta contra a velhice e a morte. “Poderá o gênio humano ultrapassar o estágio atual da luta contra a morte?”, pergunta ele. Como um ser indeterminado, aberto a infinitas possibilidades, não é possível prever onde tudo isso vai dar. Mas o homem amortal seria ainda o mesmo homem? Ou estaríamos a caminho de uma mutação? “Nós nos aproximamos de uma fronteira, ou para nos despedaçar contra ela, ou para dar meia volta, ou para transpô-la. Assim caminha o homem, entre o indefinido e o infinito. “Nada está realmente aberto, nada está realmente fechado. Uma nova aventura é possível”.(MORIN, 1997: 353).”
---Fonte:http://www.ibamendes.com/2011/02/morte-em-edgar-morin.html
NECILDA DE SOUZA: “O RITO FUNERÁRIO EM AUTRAN DOURADO” (Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Letras, da Universidade Estadual de Londrina, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Alamir Aquino Corrêa). Londrina, 2003.
segunda-feira, 22 de julho de 2013
Artigo sobre Indústria cultura da Marilena Chauí
Indústria cultural e cultura de massa
A partir da segunda revolução industrial no século XIX e prosseguindo no que se denomina agora sociedade pós-industrial ou pós-moderna (iniciada nos anos 70 do século passado), as artes foram submetidas a uma nova servidão: as regras do mercado capitalista e a ideologia da indústria cultural, baseada na idéia e na prática do consumo de “produtos culturais” fabricados em série. As obras de arte são mercadorias, como tudo o que existe no capitalismo.
Perdida a aura, a arte não se democratizou, massificou-se para consumo rápido no mercado da moda e nos meios de comunicação de massa, transformando-se em propaganda e publicidade, sinal de status social, prestígio político e controle cultural.
Sob os efeitos da massificação da indústria e consumo culturais, as artes correm o risco de perder três de suas principais características:
1. de expressivas, tornarem-se reprodutivas e repetitivas;
2. de trabalho da criação, tornarem-se eventos para consumo;
3. de experimentação do novo, tornarem-se consagração do consagrado pela moda e pelo consumo.
A arte possui intrinsecamente valor de exposição ou exponibilidade, isto é, existe para ser contemplada e fruída. É essencialmente espetáculo, palavra que vem do latim e significa: dado à visibilidade. No entanto, sob o controle econômico e ideológico das empresas de produção artística, a arte se transformou em seu oposto: é um evento para tornar invisível a realidade e o próprio trabalho criador das obras. É algo para ser consumido e não para ser conhecido, fruído e superado por novas obras.
As obras de arte e de pensamento poderiam democratizar-se com os novos meios de comunicação, pois todos poderiam, em princípio, ter acesso a elas, conhecê-las, incorporá-las em suas vidas, criticá-las, e os artistas e pensadores poderiam superá-las em outras, novas.
A democratização da cultura tem como precondição a idéia de que os bens culturais (no sentido restrito de obras de arte e de pensamento e não no sentido antropológico amplo, que apresentamos no estudo sobre a idéia de Cultura) são direito de todos e não privilégio de alguns. Democracia cultural significa direito de acesso e de fruição das obras culturais, direito à informação e à formação culturais, direito à produção cultural.
Ora, a indústria cultural acarreta o resultado oposto, ao massificar a Cultura. Por quê?
Em primeiro lugar, porque separa os bens culturais pelo seu suposto valor de mercado: há obras “caras” e “raras”, destinadas aos privilegiados que podem pagar por elas, formando uma elite cultural; e há obras “baratas” e “comuns”, destinadas à massa. Assim, em vez de garantir o mesmo direito de todos à totalidade da produção cultural, a indústria cultural introduz a divisão social entre elite “culta” e massa “inculta”. O que é a massa? É um agregado sem forma, sem rosto, sem identidade e sem pleno direito à Cultura.
Em segundo lugar, porque cria a ilusão de que todos têm acesso aos mesmos bens culturais, cada um escolhendo livremente o que deseja, como o consumidor num supermercado. No entanto, basta darmos atenção aos horários dos programas de rádio e televisão ou ao que é vendido nas bancas de jornais e revistas para vermos que, através dos preços, as empresas de divulgação cultural já selecionaram de antemão o que cada grupo social pode e deve ouvir, ver ou ler.
No caso dos jornais e revistas, por exemplo, a qualidade do papel, a qualidade gráfica de letras e imagens, o tipo de manchete e de matéria publicada definem o consumidor e determinam o conteúdo daquilo a que terá acesso e tipo de informação que poderá receber. Se compararmos, numa manhã, cinco ou seis jornais, perceberemos que o mesmo mundo – este no qual todos vivemos – transforma-se em cinco ou seis mundos diferentes ou mesmo opostos, pois um mesmo acontecimento recebe cinco ou seis tratamentos diversos, em função do leitor que a empresa jornalística pretende atingir.
Em terceiro lugar, porque inventa uma figura chamada “espectador médio”, “ouvinte médio” e “leitor médio”, aos quais são atribuídas certas capacidades mentais “médias”, certos conhecimentos “médios” e certos gostos “médios”, oferecendo-lhes produtos culturais “médios”. Que significa isso?
A indústria cultural vende Cultura. Para vendê-la, deve seduzir e agradar o consumidor. Para seduzi-lo e agradá-lo, não pode chocá-lo, provocá-lo, fazê-lo pensar, fazê-lo ter informações novas que o perturbem, mas deve devolver-lhe, com nova aparência, o que ele já sabe, já viu, já fez. A “média” é o senso comum cristalizado que a indústria cultural devolve com cara de coisa nova.
Em quarto lugar, porque define a Cultura como lazer e entretenimento, diversão e distração, de modo que tudo o que nas obras de arte e de pensamento significa trabalho da sensibilidade, da imaginação, da inteligência, da reflexão e da crítica não tem interesse, não “vende”. Massificar é, assim, banalizar a expressão artística e intelectual. Em lugar de difundir e divulgar a Cultura, despertando interesse por ela, a indústria cultural realiza a vulgarização das artes e dos conhecimentos.
Os meios de comunicação
Dos meios de comunicação, sem dúvida, o rádio e a televisão manifestam mais do que todos os outros esses traços da indústria cultural.
Começam introduzindo duas divisões: a dos públicos (as chamadas “classes” A, B, C e D) e a dos horários (a programação se organiza em horários específicos que combinam a “classe”, a ocupação – donas-de-casa, trabalhadores manuais, profissionais liberais, executivos -, a idade – crianças, adolescentes, adultos – e o sexo).
Essa divisão é feita para atender às exigências dos patrocinadores, que financiam os programas em vista dos consumidores potenciais de seus produtos e, portanto, criam a especificação do conteúdo e do horário de cada programa. Em outras palavras, o conteúdo, a forma e o horário do programa já trazem em seu próprio interior a marca do patrocinador.
Muitas vezes, o patrocinador financia um programa que nada tem a ver, diretamente, com o conteúdo e a forma veiculados. Ele o faz porque, nesse caso, não está vendendo um produto, mas a imagem de sua empresa. É assim, por exemplo, que uma empresa de cosméticos pode, em lugar de patrocinar um programa feminino, patrocinar concertos de música clássica; uma revendedora de motocicletas, em lugar de patrocinar um programa para adolescentes, pode patrocinar um programa sobre ecologia.
A figura do patrocinador determina o conteúdo e a forma de outros programas, ainda que não patrocinados por ele. Por exemplo, um banco de um governo estadual pode patrocinar um programa de auditório, pois isto é conveniente para atrair clientes, mas pode, indiretamente, influenciar o conteúdo veiculado pelos noticiários. Por quê?
Porque a quantidade de dinheiro paga pelo banco à rádio ou à televisão para o programa de auditório é muito elevada e interessa aos proprietários daquela rádio ou televisão. Se o noticiário apresentar notícias desfavoráveis ao governo do Estado ao qual pertence o banco, este pode suspender o patrocínio do programa de auditório. Para não perder o cliente, a emissora de rádio ou de televisão não veicula notícias desfavoráveis àquele governo e, pior, veicula apenas as que lhe são favoráveis. Dessa maneira, o direito à informação desaparece e os ouvintes ou telespectadores são desinformados ou ficam mal informados.
A desinformação, aliás, é o principal resultado da maioria dos noticiários de rádio e televisão. Com efeito, como são apresentadas as notícias? De modo geral, são apresentadas de maneira a impedir que o ouvinte e o espectador possam localizá-la no espaço e no tempo.
Falta de localização espacial: o espaço real é o aparelho de rádio e a tela da televisão, que tem a peculiaridade de retirar as diferenças e distâncias geográficas, de tal modo que algo acontecido na China, na Índia, nos Estados Unidos ou em Campina Grande pareça igualmente próximo e igualmente distante.
Falta de localização temporal: os acontecimentos são relatados como se não tivessem causas passadas nem efeitos futuros; surgem como pontos puramente atuais ou presentes, sem continuidade no tempo, sem origem e sem conseqüências; existem enquanto forem objetos de transmissão e deixam de existir se não forem transmitidos.
Paradoxalmente, rádio e televisão podem oferecer-nos o mundo inteiro num instante, mas o fazem de tal maneira que o mundo real desaparece, restando apenas retalhos fragmentados de uma realidade desprovida de raiz no espaço e no tempo. Nada sabemos, depois de termos tido a ilusão de que fomos informados sobre tudo.
Também é interessante a inversão entre realidade e ficção produzida pela mídia. Acabamos de mencionar o modo como o noticiário nos apresenta um mundo irreal, sem História, sem causas nem conseqüências, descontínuo e fragmentado. Em contrapartida, as novelas criam o sentimento de realidade. Elas o fazem usando três procedimentos principais:
1. o tempo dos acontecimentos novelísticos é lento para dar a ilusão de que, a cada capítulo, passou-se apenas um dia de nossa vida, ou passaram-se algumas horas, tais como realmente passariam se fôssemos nós a viver os acontecimentos narrados;
2. os personagens, seus hábitos, sua linguagem, suas casas, suas roupas, seus objetos são apresentados com o máximo de realismo possível, de modo a impedir que tenhamos distância diante deles (ao contrário do cinema e do teatro, que suscitam em nós o sentimento de proximidade justamente porque nos fazem experimentar o da distância);
3. como conseqüência, a novela nos aparece como relato do real, enquanto o noticiário nos aparece como irreal. Basta ver, por exemplo, a reação de cidades inteiras quando uma personagem da novela morre (as pessoas choram, querem ir ao enterro, ficam de luto) e a falta de reação das pessoas diante de chacinas reais, apresentadas nos noticiários.
Vale a pena, também, mencionar dois outros efeitos que a mídia produz em nossas mentes: a dispersão da atenção e a infantilização.
Para atender aos interesses econômicos dos patrocinadores, a mídia divide a programação em blocos que duram de sete a dez minutos, cada bloco sendo interrompido pelos comerciais. Essa divisão do tempo nos leva a concentrar a atenção durante os sete ou dez minutos de programa e a desconcentrá-la durante as pausas para a publicidade.
Pouco a pouco, isso se torna um hábito. Artistas de teatro afirmam que, durante um espetáculo, sentem o público ficar desatento a cada sete minutos. Professores observam que seus alunos perdem a atenção a cada dez minutos e só voltam a se concentrar após uma pausa que dão a si mesmos, como se dividissem a aula em “programa” e “comercial”.
Ora, um dos resultados dessa mudança mental transparece quando criança e jovem tentam ler um livro: não conseguem ler mais do que sete a dez minutos de cada vez, não conseguem suportar a ausência de imagens e ilustrações no texto, não suportam a idéia de precisar ler “um livro inteiro”. A atenção e a concentração, a capacidade de abstração intelectual e de exercício do pensamento foram destruídas. Como esperar que possam desejar e interessar-se pelas obras de arte e de pensamento?
Por ser um ramo da indústria cultural e, portanto, por ser fundamentalmente uma vendedora de Cultura que precisa agradar o consumidor, a mídia infantiliza. Como isso acontece? Uma pessoa (criança ou não) é infantil quando não consegue suportar a distância temporal entre seu desejo e a satisfação dele. A criança é infantil justamente porque para ela o intervalo entre o desejo e a satisfação é intolerável (por isso a criança pequenina chora tanto).
Ora, o que faz a mídia? Promete e oferece gratificação instantânea. Como o consegue? Criando em nós os desejos e oferecendo produtos (publicidade e programação) para satisfazê-los. O ouvinte que gira o dial do aparelho de rádio continuamente e o telespectador que muda continuamente de canal o fazem porque sabem que, em algum lugar, seu desejo será imediatamente satisfeito.
Além disso, como a programação se dirige ao que já sabemos e já gostamos, e como toma a cultura sob a forma de lazer e entretenimento, a mídia satisfaz imediatamente nossos desejos porque não exige de nós atenção, pensamento, reflexão, crítica, perturbação de nossa sensibilidade e de nossa fantasia. Em suma, não nos pede o que as obras de arte e de pensamento nos pedem: trabalho sensorial e mental para compreendê-las, amá-las, criticá-las, superá-las. A Cultura nos satisfaz, se tivermos paciência para compreendê-la e decifrá-la. Exige maturidade. A mídia nos satisfaz porque nada nos pede, senão que permaneçamos sempre infantis.
Um último traço da indústria cultural que merece nossa atenção é seu autoritarismo, sob a aparência de democracia. Um dos melhores exemplos encontra-se nos programas de aconselhamento. Um especialista – é sempre um especialista – nos ensina a viver, um outro nos ensina a criar os filhos, outro nos ensina a fazer sexo, e assim vão se sucedendo especialistas que nos ensinam a ter um corpo juvenil e saudável, boas maneiras, jardinagem, meditação espiritual, enfim, não há um único aspecto de nossa existência que deixe de ser ensinado por um especialista competente.
Em princípio, seria absurdo e injusto considerar tais ensinamentos como autoritários. Pelo contrário, deveríamos considerá-los uma forma de democratizar e sociabilizar conhecimentos. Onde se encontra o lado autoritário desse tipo de programação (no rádio e na televisão) e de publicação (no caso de jornais, revistas e livros)? No fato de que funcionam como intimidação social.
De fato, como a mídia nos infantiliza, diminui nossa atenção e capacidade de pensamento, inverte realidade e ficção e promete, por meio da publicidade, colocar a felicidade imediatamente ao alcance de nossas mãos, transforma-nos num público dócil e passivo. Uma vez que nos tornamos dóceis e passivos, os programas de aconselhamento, longe de divulgar informações (como parece ser a intenção generosa dos especialistas) torna-se um processo de inculcação de valores, hábitos, comportamentos e idéias, pois não estamos preparados para pensar, avaliar e julgar o que vemos, ouvimos e lemos. Por isso, ficamos intimidados, isto é, passamos a considerar que nada sabemos, que somos incompetentes para viver e agir se não seguirmos a autoridade competente do especialista.
Dessa maneira, um conjunto de programas e publicações que poderiam ter verdadeiro significado cultural tornam-se o contrário da Cultura e de sua democratização, pois se dirigem a um público transformado em massa inculta, desinformada e passiva.
Cinema e televisão
Como a televisão, o cinema é uma indústria. Como ela, depende de investimentos, mercados, propaganda. Como ela, preocupa-se com o lucro, a moda, o consumo.
No entanto, independentemente da boa ou má qualidade dos filmes, o cinema difere da televisão em um aspecto fundamental.
A televisão é um meio técnico de comunicação à distância, que empresta do jornalismo a idéia de reportagem e notícia, da literatura, a idéia do folhetim novelesco, do teatro, a idéia de relação com um público presente, e do cinema, os procedimentos com imagens. Do ponto de vista do receptor, o aparelho televisor é um eletrodoméstico, como o liquidificador ou a geladeira.
O cinema é a forma contemporânea da arte: a da imagem sonora em movimento. Nele, a câmera capta uma sociedade complexa, múltipla e diferenciada, combinando de maneira totalmente nova, música, dança, literatura, escultura, pintura, arquitetura, história e, pelos efeitos especiais, criando realidades novas, insólitas, numa imaginação plástica infinita que só tem correspondência nos sonhos.
Como o livro, o cinema tem o poder extraordinário, próprio da obra de arte, de tornar presente o ausente, próximo o distante, distante o próximo, entrecruzando realidade e irrealidade, verdade e fantasia, reflexão e devaneio.
Nele, a criatividade do diretor e a expressividade dramática ou cômica do intérprete pode manifestar-se e oferecer-se plenamente ao público, sem distinção étnica, sexual, religiosa ou social. Apesar dos pesares, Benjamin tinha razão ao considerar o cinema a arte democrática do nosso tempo.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo, Ática, 2000, p.422-428.
fonte:viverafilosofia.blogspot.com
Marilena Chauí
A partir da segunda revolução industrial no século XIX e prosseguindo no que se denomina agora sociedade pós-industrial ou pós-moderna (iniciada nos anos 70 do século passado), as artes foram submetidas a uma nova servidão: as regras do mercado capitalista e a ideologia da indústria cultural, baseada na idéia e na prática do consumo de “produtos culturais” fabricados em série. As obras de arte são mercadorias, como tudo o que existe no capitalismo.
Perdida a aura, a arte não se democratizou, massificou-se para consumo rápido no mercado da moda e nos meios de comunicação de massa, transformando-se em propaganda e publicidade, sinal de status social, prestígio político e controle cultural.
Sob os efeitos da massificação da indústria e consumo culturais, as artes correm o risco de perder três de suas principais características:
1. de expressivas, tornarem-se reprodutivas e repetitivas;
2. de trabalho da criação, tornarem-se eventos para consumo;
3. de experimentação do novo, tornarem-se consagração do consagrado pela moda e pelo consumo.
A arte possui intrinsecamente valor de exposição ou exponibilidade, isto é, existe para ser contemplada e fruída. É essencialmente espetáculo, palavra que vem do latim e significa: dado à visibilidade. No entanto, sob o controle econômico e ideológico das empresas de produção artística, a arte se transformou em seu oposto: é um evento para tornar invisível a realidade e o próprio trabalho criador das obras. É algo para ser consumido e não para ser conhecido, fruído e superado por novas obras.
As obras de arte e de pensamento poderiam democratizar-se com os novos meios de comunicação, pois todos poderiam, em princípio, ter acesso a elas, conhecê-las, incorporá-las em suas vidas, criticá-las, e os artistas e pensadores poderiam superá-las em outras, novas.
A democratização da cultura tem como precondição a idéia de que os bens culturais (no sentido restrito de obras de arte e de pensamento e não no sentido antropológico amplo, que apresentamos no estudo sobre a idéia de Cultura) são direito de todos e não privilégio de alguns. Democracia cultural significa direito de acesso e de fruição das obras culturais, direito à informação e à formação culturais, direito à produção cultural.
Ora, a indústria cultural acarreta o resultado oposto, ao massificar a Cultura. Por quê?
Em primeiro lugar, porque separa os bens culturais pelo seu suposto valor de mercado: há obras “caras” e “raras”, destinadas aos privilegiados que podem pagar por elas, formando uma elite cultural; e há obras “baratas” e “comuns”, destinadas à massa. Assim, em vez de garantir o mesmo direito de todos à totalidade da produção cultural, a indústria cultural introduz a divisão social entre elite “culta” e massa “inculta”. O que é a massa? É um agregado sem forma, sem rosto, sem identidade e sem pleno direito à Cultura.
Em segundo lugar, porque cria a ilusão de que todos têm acesso aos mesmos bens culturais, cada um escolhendo livremente o que deseja, como o consumidor num supermercado. No entanto, basta darmos atenção aos horários dos programas de rádio e televisão ou ao que é vendido nas bancas de jornais e revistas para vermos que, através dos preços, as empresas de divulgação cultural já selecionaram de antemão o que cada grupo social pode e deve ouvir, ver ou ler.
No caso dos jornais e revistas, por exemplo, a qualidade do papel, a qualidade gráfica de letras e imagens, o tipo de manchete e de matéria publicada definem o consumidor e determinam o conteúdo daquilo a que terá acesso e tipo de informação que poderá receber. Se compararmos, numa manhã, cinco ou seis jornais, perceberemos que o mesmo mundo – este no qual todos vivemos – transforma-se em cinco ou seis mundos diferentes ou mesmo opostos, pois um mesmo acontecimento recebe cinco ou seis tratamentos diversos, em função do leitor que a empresa jornalística pretende atingir.
Em terceiro lugar, porque inventa uma figura chamada “espectador médio”, “ouvinte médio” e “leitor médio”, aos quais são atribuídas certas capacidades mentais “médias”, certos conhecimentos “médios” e certos gostos “médios”, oferecendo-lhes produtos culturais “médios”. Que significa isso?
A indústria cultural vende Cultura. Para vendê-la, deve seduzir e agradar o consumidor. Para seduzi-lo e agradá-lo, não pode chocá-lo, provocá-lo, fazê-lo pensar, fazê-lo ter informações novas que o perturbem, mas deve devolver-lhe, com nova aparência, o que ele já sabe, já viu, já fez. A “média” é o senso comum cristalizado que a indústria cultural devolve com cara de coisa nova.
Em quarto lugar, porque define a Cultura como lazer e entretenimento, diversão e distração, de modo que tudo o que nas obras de arte e de pensamento significa trabalho da sensibilidade, da imaginação, da inteligência, da reflexão e da crítica não tem interesse, não “vende”. Massificar é, assim, banalizar a expressão artística e intelectual. Em lugar de difundir e divulgar a Cultura, despertando interesse por ela, a indústria cultural realiza a vulgarização das artes e dos conhecimentos.
Os meios de comunicação
Dos meios de comunicação, sem dúvida, o rádio e a televisão manifestam mais do que todos os outros esses traços da indústria cultural.
Começam introduzindo duas divisões: a dos públicos (as chamadas “classes” A, B, C e D) e a dos horários (a programação se organiza em horários específicos que combinam a “classe”, a ocupação – donas-de-casa, trabalhadores manuais, profissionais liberais, executivos -, a idade – crianças, adolescentes, adultos – e o sexo).
Essa divisão é feita para atender às exigências dos patrocinadores, que financiam os programas em vista dos consumidores potenciais de seus produtos e, portanto, criam a especificação do conteúdo e do horário de cada programa. Em outras palavras, o conteúdo, a forma e o horário do programa já trazem em seu próprio interior a marca do patrocinador.
Muitas vezes, o patrocinador financia um programa que nada tem a ver, diretamente, com o conteúdo e a forma veiculados. Ele o faz porque, nesse caso, não está vendendo um produto, mas a imagem de sua empresa. É assim, por exemplo, que uma empresa de cosméticos pode, em lugar de patrocinar um programa feminino, patrocinar concertos de música clássica; uma revendedora de motocicletas, em lugar de patrocinar um programa para adolescentes, pode patrocinar um programa sobre ecologia.
A figura do patrocinador determina o conteúdo e a forma de outros programas, ainda que não patrocinados por ele. Por exemplo, um banco de um governo estadual pode patrocinar um programa de auditório, pois isto é conveniente para atrair clientes, mas pode, indiretamente, influenciar o conteúdo veiculado pelos noticiários. Por quê?
Porque a quantidade de dinheiro paga pelo banco à rádio ou à televisão para o programa de auditório é muito elevada e interessa aos proprietários daquela rádio ou televisão. Se o noticiário apresentar notícias desfavoráveis ao governo do Estado ao qual pertence o banco, este pode suspender o patrocínio do programa de auditório. Para não perder o cliente, a emissora de rádio ou de televisão não veicula notícias desfavoráveis àquele governo e, pior, veicula apenas as que lhe são favoráveis. Dessa maneira, o direito à informação desaparece e os ouvintes ou telespectadores são desinformados ou ficam mal informados.
A desinformação, aliás, é o principal resultado da maioria dos noticiários de rádio e televisão. Com efeito, como são apresentadas as notícias? De modo geral, são apresentadas de maneira a impedir que o ouvinte e o espectador possam localizá-la no espaço e no tempo.
Falta de localização espacial: o espaço real é o aparelho de rádio e a tela da televisão, que tem a peculiaridade de retirar as diferenças e distâncias geográficas, de tal modo que algo acontecido na China, na Índia, nos Estados Unidos ou em Campina Grande pareça igualmente próximo e igualmente distante.
Falta de localização temporal: os acontecimentos são relatados como se não tivessem causas passadas nem efeitos futuros; surgem como pontos puramente atuais ou presentes, sem continuidade no tempo, sem origem e sem conseqüências; existem enquanto forem objetos de transmissão e deixam de existir se não forem transmitidos.
Paradoxalmente, rádio e televisão podem oferecer-nos o mundo inteiro num instante, mas o fazem de tal maneira que o mundo real desaparece, restando apenas retalhos fragmentados de uma realidade desprovida de raiz no espaço e no tempo. Nada sabemos, depois de termos tido a ilusão de que fomos informados sobre tudo.
Também é interessante a inversão entre realidade e ficção produzida pela mídia. Acabamos de mencionar o modo como o noticiário nos apresenta um mundo irreal, sem História, sem causas nem conseqüências, descontínuo e fragmentado. Em contrapartida, as novelas criam o sentimento de realidade. Elas o fazem usando três procedimentos principais:
1. o tempo dos acontecimentos novelísticos é lento para dar a ilusão de que, a cada capítulo, passou-se apenas um dia de nossa vida, ou passaram-se algumas horas, tais como realmente passariam se fôssemos nós a viver os acontecimentos narrados;
2. os personagens, seus hábitos, sua linguagem, suas casas, suas roupas, seus objetos são apresentados com o máximo de realismo possível, de modo a impedir que tenhamos distância diante deles (ao contrário do cinema e do teatro, que suscitam em nós o sentimento de proximidade justamente porque nos fazem experimentar o da distância);
3. como conseqüência, a novela nos aparece como relato do real, enquanto o noticiário nos aparece como irreal. Basta ver, por exemplo, a reação de cidades inteiras quando uma personagem da novela morre (as pessoas choram, querem ir ao enterro, ficam de luto) e a falta de reação das pessoas diante de chacinas reais, apresentadas nos noticiários.
Vale a pena, também, mencionar dois outros efeitos que a mídia produz em nossas mentes: a dispersão da atenção e a infantilização.
Para atender aos interesses econômicos dos patrocinadores, a mídia divide a programação em blocos que duram de sete a dez minutos, cada bloco sendo interrompido pelos comerciais. Essa divisão do tempo nos leva a concentrar a atenção durante os sete ou dez minutos de programa e a desconcentrá-la durante as pausas para a publicidade.
Pouco a pouco, isso se torna um hábito. Artistas de teatro afirmam que, durante um espetáculo, sentem o público ficar desatento a cada sete minutos. Professores observam que seus alunos perdem a atenção a cada dez minutos e só voltam a se concentrar após uma pausa que dão a si mesmos, como se dividissem a aula em “programa” e “comercial”.
Ora, um dos resultados dessa mudança mental transparece quando criança e jovem tentam ler um livro: não conseguem ler mais do que sete a dez minutos de cada vez, não conseguem suportar a ausência de imagens e ilustrações no texto, não suportam a idéia de precisar ler “um livro inteiro”. A atenção e a concentração, a capacidade de abstração intelectual e de exercício do pensamento foram destruídas. Como esperar que possam desejar e interessar-se pelas obras de arte e de pensamento?
Por ser um ramo da indústria cultural e, portanto, por ser fundamentalmente uma vendedora de Cultura que precisa agradar o consumidor, a mídia infantiliza. Como isso acontece? Uma pessoa (criança ou não) é infantil quando não consegue suportar a distância temporal entre seu desejo e a satisfação dele. A criança é infantil justamente porque para ela o intervalo entre o desejo e a satisfação é intolerável (por isso a criança pequenina chora tanto).
Ora, o que faz a mídia? Promete e oferece gratificação instantânea. Como o consegue? Criando em nós os desejos e oferecendo produtos (publicidade e programação) para satisfazê-los. O ouvinte que gira o dial do aparelho de rádio continuamente e o telespectador que muda continuamente de canal o fazem porque sabem que, em algum lugar, seu desejo será imediatamente satisfeito.
Além disso, como a programação se dirige ao que já sabemos e já gostamos, e como toma a cultura sob a forma de lazer e entretenimento, a mídia satisfaz imediatamente nossos desejos porque não exige de nós atenção, pensamento, reflexão, crítica, perturbação de nossa sensibilidade e de nossa fantasia. Em suma, não nos pede o que as obras de arte e de pensamento nos pedem: trabalho sensorial e mental para compreendê-las, amá-las, criticá-las, superá-las. A Cultura nos satisfaz, se tivermos paciência para compreendê-la e decifrá-la. Exige maturidade. A mídia nos satisfaz porque nada nos pede, senão que permaneçamos sempre infantis.
Um último traço da indústria cultural que merece nossa atenção é seu autoritarismo, sob a aparência de democracia. Um dos melhores exemplos encontra-se nos programas de aconselhamento. Um especialista – é sempre um especialista – nos ensina a viver, um outro nos ensina a criar os filhos, outro nos ensina a fazer sexo, e assim vão se sucedendo especialistas que nos ensinam a ter um corpo juvenil e saudável, boas maneiras, jardinagem, meditação espiritual, enfim, não há um único aspecto de nossa existência que deixe de ser ensinado por um especialista competente.
Em princípio, seria absurdo e injusto considerar tais ensinamentos como autoritários. Pelo contrário, deveríamos considerá-los uma forma de democratizar e sociabilizar conhecimentos. Onde se encontra o lado autoritário desse tipo de programação (no rádio e na televisão) e de publicação (no caso de jornais, revistas e livros)? No fato de que funcionam como intimidação social.
De fato, como a mídia nos infantiliza, diminui nossa atenção e capacidade de pensamento, inverte realidade e ficção e promete, por meio da publicidade, colocar a felicidade imediatamente ao alcance de nossas mãos, transforma-nos num público dócil e passivo. Uma vez que nos tornamos dóceis e passivos, os programas de aconselhamento, longe de divulgar informações (como parece ser a intenção generosa dos especialistas) torna-se um processo de inculcação de valores, hábitos, comportamentos e idéias, pois não estamos preparados para pensar, avaliar e julgar o que vemos, ouvimos e lemos. Por isso, ficamos intimidados, isto é, passamos a considerar que nada sabemos, que somos incompetentes para viver e agir se não seguirmos a autoridade competente do especialista.
Dessa maneira, um conjunto de programas e publicações que poderiam ter verdadeiro significado cultural tornam-se o contrário da Cultura e de sua democratização, pois se dirigem a um público transformado em massa inculta, desinformada e passiva.
Cinema e televisão
Como a televisão, o cinema é uma indústria. Como ela, depende de investimentos, mercados, propaganda. Como ela, preocupa-se com o lucro, a moda, o consumo.
No entanto, independentemente da boa ou má qualidade dos filmes, o cinema difere da televisão em um aspecto fundamental.
A televisão é um meio técnico de comunicação à distância, que empresta do jornalismo a idéia de reportagem e notícia, da literatura, a idéia do folhetim novelesco, do teatro, a idéia de relação com um público presente, e do cinema, os procedimentos com imagens. Do ponto de vista do receptor, o aparelho televisor é um eletrodoméstico, como o liquidificador ou a geladeira.
O cinema é a forma contemporânea da arte: a da imagem sonora em movimento. Nele, a câmera capta uma sociedade complexa, múltipla e diferenciada, combinando de maneira totalmente nova, música, dança, literatura, escultura, pintura, arquitetura, história e, pelos efeitos especiais, criando realidades novas, insólitas, numa imaginação plástica infinita que só tem correspondência nos sonhos.
Como o livro, o cinema tem o poder extraordinário, próprio da obra de arte, de tornar presente o ausente, próximo o distante, distante o próximo, entrecruzando realidade e irrealidade, verdade e fantasia, reflexão e devaneio.
Nele, a criatividade do diretor e a expressividade dramática ou cômica do intérprete pode manifestar-se e oferecer-se plenamente ao público, sem distinção étnica, sexual, religiosa ou social. Apesar dos pesares, Benjamin tinha razão ao considerar o cinema a arte democrática do nosso tempo.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo, Ática, 2000, p.422-428.
fonte:viverafilosofia.blogspot.com
sexta-feira, 19 de julho de 2013
Sejudh define municípios e regiões que estarão participando da III Conferência Estadual de Igualdade Racial
Integrantes do movimento social se reuniu na tarde dessa terça-feira (25) junto a Coordenadoria de Promoção de Igualdade Racial, vinculada à Secretaria de Justiça de Direitos Humanos (Sejudh) para definir os municípios e regiões que estarão participando da III Conferência Estadual de Igualdade Racial.
Na reunião que aconteceu às 15h na sede da Sejudh ficou definido os quatro municípios específicos para a III Conferência (Ananindeua, Ponta de Pedra, Mojú e Marabá que espera o decreto de convocação para a III Conferência Estadual). As seis regionais que também acontecerá a conferência serão (Belém, Salvaterra, Bragança, Baião, Altamira e Santarém, que assim como Marabá, também estará esperando o decreto de convocação).
A III Conferência Estadual de Igualdade Racial ocorrerá nos dias 28 e 29 de agosto, no Centro de Convenções da Amazônia – Hangar, em Belém. O evento tem como objetivo garantir a participação de todos os povos tradicionais quilombolas, comunidades tradicionais de matrizes africanas, negros urbanos, indígenas e ciganos, bem como, governos estadual e municipal, parlamentares entre outros.
O evento organizado pelo governo do Pará, através da Coordenação Estadual de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – Ceppir e Sejudh, tem como objetivo fortalecer a parceria entre o governo e o movimento social na construção de políticas públicas.
Texto: Eliana Souza
quinta-feira, 23 de maio de 2013
MATERIAL UTILIZADO NA FACULDADE METROPOLITANA
I UNIDADE
TRABALHO SOBRE OS SOCIÓLOGOS CONTEMPORÂNEOS.
II UNIDADE
III UNIDADE
RELATÓRIO DOS VIDEOS
TRABALHO SOBRE OS SOCIÓLOGOS CONTEMPORÂNEOS.
II UNIDADE
PAPER DO ARTIGO ENCAMINHADO PELOS ALUNOS
III UNIDADE
RELATÓRIO DOS VIDEOS
A HISTÓRIA DAS COISAS
DOCUMENTÁRIO SOBRE O TRABALHO NOS FRIGORIFÍCOS
terça-feira, 9 de abril de 2013
EMPREGADA DOMÉSTICA por Viviane Anibal
Nós, Mulheres Negras, de diferentes níveis socioculturais e etnias, fomos sequestradas do continente Africano e trazidas para o Brasil, numa viagem insalubre e violenta, para sermos escravizadas e resistimos.
Deixamos de ser Mulheres para nos tornarmos “peças”, com aval da Religião de outrem e resistimos.
Outro nome de batismo, outra religião, outra língua, outra cultura nos foram fixados. Tivemos nossos corpos violados das maneiras mais brutais. Trabalhos extenuantes e castigos perversos passaram a fazer parte do nosso cotidiano. Nossos corpos foram mutilados, nossos rostos deturpados por homens e muitas vezes por mulheres outras, ciumentas ou inseguras diante de nós. Resistimos.
Embalávamos, amamentávamos e educávamos com amor filhos (as) de quem nos explorava, em detrimento de nossos (as) próprios (as) que, muitas vezes, eram tratados (as) como animais de estimação. Com o passar do tempo vimos nossas crianças e nossos (as) velhos (as) sendo jogados (as) à própria sorte, em nome de Leis (do Ventre Livre e do Sexagenário respectivamente), e resistimos.
Acompanhávamos a Ciência que comprovava a supremacia branca, bem como todo o processo de construção do Racismo, que nos dizia feias, sem inteligência, ignorantes, Mulheres de “cabelo ruim”. Fomos desrespeitadas, humilhadas, subjugadas e resistimos.
Passamos a nos torturar pessoalmente, alisando nossos cabelos com pente-quente. Tínhamos então “cabelo bom”. Resistimos.
Participamos de muitos atos de resistência, tínhamos sempre informações relevantes e acesso ao opressor (à opressora) afinal, muitas de nós circulavam pelas casas-grandes. Lideramos lutas, participamos da organização de Kilombos - ao lado de homens negros, indígenas e brancos (as) pobres. Assistimos todo o decurso da Abolição e, quando da assinatura da Lei Áurea, custamos a entender o motivo de estrangeiros não negros ocuparem os, agora, postos de trabalho não escravos e resistimos.
Vimos nossos homens sem ocupação e, de alguma forma, agradecíamos aos nossos Orixás por podermos seguir trabalhando de maneira a garantir o sustento de nossas famílias. Então nos tornamos quituteiras, doceiras, cozinheiras, babás, tornamo-nos Empregadas Domésticas, um tipo de escravizada com salário simbólico e, por mais de um século, como negras livres “quase da família”, seguimos sem acompanhar o crescimento de nossos (as) filhos (as), pois não tínhamos direitos em nossa profissão, tínhamos sim deveres com a casa, com filhos (as), com a alimentação e bem estar da outra família, tal qual acontecia no período da Escravidão e resistimos.
Assistimos nossas patroas reivindicarem pelo direito ao respeito, à educação, à igualdade de oportunidades e ao trabalho. Estranhávamos esta reivindicação, parecia dissonante que outras Mulheres quisessem realmente trabalhar como nós. Ingenuidade... Logo percebemos que, entre Mulheres que buscavam direitos, se fazia diferença entre Mulheres e Mulheres Negras e resistimos.
Ficamos felizes com o direito ao voto alcançado por Mulheres em 1932, mas o nosso direito ao voto só viria em 1988 afinal, ainda éramos analfabetas, a carga horária do trabalho doméstico e o Racismo seguiam impedindo que nós estudássemos. Resistimos.
Resistimos e com muita bravura e determinação superamos abusos e garantimos estudo, educação e informações aos (às) nossos (as) filhos (as) e a nós mesmas. Organizamo-nos politicamente enquanto Mulheres Negras, fortalecemo-nos em nossa beleza, em nossa ancestralidade. Sim, resistimos!
Resistimos e quase 125 anos depois do fim da escravatura no Brasil nós, Empregadas Domésticas, deixamos de ser escravizadas. Deixamos de ser “quase da família”, para nos tornarmos cidadãs, cidadãs com direitos, direitos trabalhistas.
Assistimos agora a resistência de patroas e patrões, que não se envergonham em mostrar a cara ao manifestar a indignação diante de nossos diretos. Sim, direitos porque os deveres e as submissões nós conhecemos ha séculos.
A nós, Mulheres Negras (“ou quase negras de tão pobres”), Empregadas Domésticas ou não resta seguir resistindo na busca pela igualdade de oportunidade e pelo respeito sempre com a dignidade e força de nossos ancestrais.
Axé!
sexta-feira, 22 de março de 2013
VIDEOS PARA TRABALHO 3 ANO ESCOLA PEQUENO PRÍNCIPE
A HISTÓRIA DAS COISAS.
CRIANÇAS A ALMA DO NEGÓCIO.
A FAMÍLIA DE CONSUMO- DESENHO
A DIETA DO PALHAÇO.
SALÃO DE BELEZA- ZECA BALEIRO.
COISA BONITA- ROBERTO CARLOS.
TERCEIRA DO PLURAL- ENGENHEIROS DO HAWAI.
POEMA EU ETIQUETA
EU ETIQUETA
Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório
Um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências.
Costume, hábito, permência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
Trocá-la por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro.
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer principalmente.)
E nisto me comparo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares festas praias pérgulas piscinas,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
Meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Tão minhas que no rosto se espelhavam
E cada gesto, cada olhar
Cada vinco da roupa
Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo dos outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mas artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente.
sexta-feira, 15 de março de 2013
Socialização aula 1 ano
Na aula de hoje assistimos o curta A ILHA, o vídeo nos mostra como o ser humano é um ser social, como estamos nos distanciando das relações sociais através da tecnologia e como é difícil visualizar a dificuldade do outro se não estivermos em seu lugar. Vale a pena conferir, bom resumo
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