terça-feira, 9 de abril de 2013

EMPREGADA DOMÉSTICA por Viviane Anibal


Nós, Mulheres Negras, de diferentes níveis socioculturais e etnias, fomos sequestradas do continente Africano e trazidas para o Brasil, numa viagem insalubre e violenta, para sermos escravizadas e resistimos.
Deixamos de ser Mulheres para nos tornarmos “peças”, com aval da Religião de outrem e resistimos.
Outro nome de batismo, outra religião, outra língua, outra cultura nos foram fixados. Tivemos nossos corpos violados das maneiras mais brutais. Trabalhos extenuantes e castigos perversos passaram a fazer parte do nosso cotidiano. Nossos corpos foram mutilados, nossos rostos deturpados por homens e muitas vezes por mulheres outras, ciumentas ou inseguras diante de nós. Resistimos.
Embalávamos, amamentávamos e educávamos com amor filhos (as) de quem nos explorava, em detrimento de nossos (as) próprios (as) que, muitas vezes, eram tratados (as) como animais de estimação. Com o passar do tempo vimos nossas crianças e nossos (as) velhos (as) sendo jogados (as) à própria sorte, em nome de Leis (do Ventre Livre e do Sexagenário respectivamente), e resistimos.
Acompanhávamos a Ciência que comprovava a supremacia branca, bem como todo o processo de construção do Racismo, que nos dizia feias, sem inteligência, ignorantes, Mulheres de “cabelo ruim”. Fomos desrespeitadas, humilhadas, subjugadas e resistimos.
Passamos a nos torturar pessoalmente, alisando nossos cabelos com pente-quente. Tínhamos então “cabelo bom”. Resistimos.
Participamos de muitos atos de resistência, tínhamos sempre informações relevantes e acesso ao opressor (à opressora) afinal, muitas de nós circulavam pelas casas-grandes. Lideramos lutas, participamos da organização de Kilombos - ao lado de homens negros, indígenas e brancos (as) pobres. Assistimos todo o decurso da Abolição e, quando da assinatura da Lei Áurea, custamos a entender o motivo de estrangeiros não negros ocuparem os, agora, postos de trabalho não escravos e resistimos.
Vimos nossos homens sem ocupação e, de alguma forma, agradecíamos aos nossos Orixás por podermos seguir trabalhando de maneira a garantir o sustento de nossas famílias. Então nos tornamos quituteiras, doceiras, cozinheiras, babás, tornamo-nos Empregadas Domésticas, um tipo de escravizada com salário simbólico e, por mais de um século, como negras livres “quase da família”, seguimos sem acompanhar o crescimento de nossos (as) filhos (as), pois não tínhamos direitos em nossa profissão, tínhamos sim deveres com a casa, com filhos (as), com a alimentação e bem estar da outra família, tal qual acontecia no período da Escravidão e resistimos.
Assistimos nossas patroas reivindicarem pelo direito ao respeito, à educação, à igualdade de oportunidades e ao trabalho. Estranhávamos esta reivindicação, parecia dissonante que outras Mulheres quisessem realmente trabalhar como nós. Ingenuidade... Logo percebemos que, entre Mulheres que buscavam direitos, se fazia diferença entre Mulheres e Mulheres Negras e resistimos.
Ficamos felizes com o direito ao voto alcançado por Mulheres em 1932, mas o nosso direito ao voto só viria em 1988 afinal, ainda éramos analfabetas, a carga horária do trabalho doméstico e o Racismo seguiam impedindo que nós estudássemos. Resistimos.
Resistimos e com muita bravura e determinação superamos abusos e garantimos estudo, educação e informações aos (às) nossos (as) filhos (as) e a nós mesmas. Organizamo-nos politicamente enquanto Mulheres Negras, fortalecemo-nos em nossa beleza, em nossa ancestralidade. Sim, resistimos!
Resistimos e quase 125 anos depois do fim da escravatura no Brasil nós, Empregadas Domésticas, deixamos de ser escravizadas. Deixamos de ser “quase da família”, para nos tornarmos cidadãs, cidadãs com direitos, direitos trabalhistas.
Assistimos agora a resistência de patroas e patrões, que não se envergonham em mostrar a cara ao manifestar a indignação diante de nossos diretos. Sim, direitos porque os deveres e as submissões nós conhecemos ha séculos.
A nós, Mulheres Negras (“ou quase negras de tão pobres”), Empregadas Domésticas ou não resta seguir resistindo na busca pela igualdade de oportunidade e pelo respeito sempre com a dignidade e força de nossos ancestrais.
Axé!

Fonte:Viviane Anibal-Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região